domingo, 13 de fevereiro de 2011

"O Egipto é livre"

"O Egipto é livre". Revolução pacífica garante demissão de Hosni Mubarak
por David D. Kirkpatrick e Anthony Shadid, no Cairo, Publicado em 12 de Fevereiro de 2011 | A

Na Praça da Libertação, uma egípcia chora com o anúncio da demissão de Mubarak

Ao fim de 18 dias de protestos, a Praça Tahrir ouviu os gritos que festejavam o que se pretendia: a queda do regime Ao fim de 18 dias de protestos, a Praça Tahrir ouviu os gritos que festejavam o que se pretendia: a queda do regime Libertação. A praça fica para a história como o centro da revolução liderada pelos jovens do país Libertação. A praça fica para a história como o centro da revolução liderada pelos jovens do país

O presidente do Egipto, Hosni Mubarak, demitiu-se ontem do cargo e entregou todos os seus poderes aos militares, pondo fim a 30 anos de um regime autocrático e curvando-se perante um levantamento popular histórico que transformou a política no Egipto e no mundo árabe. As ruas do Cairo explodiram com gritos de "Deus é grande" momentos depois de o vice-presidente e antigo chefe dos serviços secretos, Omar Suleiman, anunciar durante as orações da noite que Mubarak passara toda a autoridade para um conselho de líderes militares: "Tendo em consideração as circunstâncias difíceis que o país atravessa, o presidente Mohammed Hosni Mubarak decidiu deixar o seu cargo de presidente e entregou ao Conselho Supremo das Forças Armadas a administração dos assuntos de Estado", disse um pálido Suleiman, em tom grave, numa curta declaração transmitida pela televisão.

Ainda antes de o vice-presidente acabar de falar já os manifestantes se abraçavam e aplaudiam, gritando "o Egipto é livre!" e "És um egípcio, levanta a cabeça". "Finalmente livrámo-nos das suas garras", afirmou um manifestante, de seu nome Muhammad Insheemy. "Em breve escolheremos alguém bom."

A partida de Mubarak, de 82 anos, pelo menos para já, em direcção à sua casa de férias em Sharm el-Sheik, marca um ponto de viragem numa revolta que dura há três semanas e derrubou uma das autocracias mais antigas do mundo árabe. O protesto popular - pacífico e resistente, apesar dos inúmeros esforços para o suprimir levados a cabo pelo lendário aparelho de segurança de Mubarak - acabou por depor um aliado dos Estados Unidos que há décadas é fundamental na implementação da política americana na região.

A sua partida deixa os militares no comando deste país de 80 milhões de pessoas, a braços com pedidos insistentes de mudanças democráticas profundas e eleições livres. Os militares, que prometeram repetidamente corresponder às exigências dos manifestantes, têm muito pouca experiência recente no governo directo do país. Vêem-se agora obrigados a acalmar as manifestações e as greves que paralisaram a economia e deixaram muitas das instituições do país, incluindo a imprensa pública e as forças de segurança, em dificuldades.

Militares garantem reformas Pouco tempo antes do anúncio da partida de Mubarak, os militares haviam emitido um comunicado comprometendo-se a levar a cabo uma série de reformas constitucionais, numa declaração fora do comum pelo seu tom de comando. A declaração militar aludia à delegação de poderes em Suleiman e dava a entender que o exército iria supervisionar a implementação das reformas.

Os militares não indicavam se tinham a intenção de dar o tipo de passos fundamentais em direcção à democracia que os manifestantes têm pedido. Foi o segundo comunicado directo dos militares em dois dias e, na sua maior parte, cingiu-se às reformas constitucionais e eleitorais que Mubarak e Suleiman haviam prometido implementar.

A rádio pública anunciou que Naguib Sawiris, um rico e respeitado empresário, aceitou actuar como mediador entre a oposição e as autoridades na implementação das reformas políticas, um desenvolvimento que foi aplaudido pelos manifestantes. O recentemente nomeado líder do Partido Democrático Nacional, Hossam Badrawy, que na quinta-feira afirmara categoricamente que Mubarak iria abrir mão do poder, anunciou a sua própria demissão.

Na Praça Tahrir, o centro do levantamento popular, muitos manifestantes sucumbiram à emoção de ter conseguido o quase impossível, mas muito desejado objectivo de derrubar Mubarak. Numa demonstração de solidariedade, pelo menos entre as baixas patentes do exército, três oficiais egípcios depuseram as armas, despiram os uniformes e juntaram-se aos manifestantes.

Embora Mubarak tenha dito no discurso de quinta-feira que "delegava" os poderes no seu vice-presidente, havia-o feito num aparte que facilmente poderia passar despercebido. Aparentemente referia-se a uma cláusula da Constituição que lhe teria permitido reclamar tais poderes. O resto do seu discurso soou como se fosse presidente no activo sem intenção de resignar, num tom condescendente que enfureceu ainda mais os manifestantes.

Os diplomatas ocidentais afirmam que responsáveis do governo egípcio faziam os possíveis por assegurar ao público que Mubarak se equivocara e que no seu discurso confuso havia, na realidade, mostrado inequivocamente que entregara a autoridade presidencial.

"O governo do Egipto diz peremptoriamente que está feito, que está tudo terminado", disse um diplomata ocidental, sugerindo que os responsáveis governamentais e militares egípcios esperavam que Mubarak mostrasse claramente na quinta-feira à noite que estava de saída, mas o Presidente acabou por não o fazer. Ontem a declaração de Suleiman não deixou quaisquer dúvidas.

Aparentemente, a confusão diplomática parecia ter a intenção de atrasar o perigo de confrontos violentos numa altura em que centenas de milhares de manifestantes, furiosos com a recusa de Mubarak de renunciar, inundavam as ruas exigindo a sua demissão.

O comunicado de ontem do Conselho Supremo dos militares tinha um tom muito diferente e pareceu mostrar que estavam agora a controlar os acontecimentos. Disseram que vão acabar com a lei de emergência, em vigor há 30 anos - muitas vezes utilizada para deter opositores políticos sem julgamento -, "assim que terminem as circunstâncias actuais". Os manifestantes exigiram que a lei fosse eliminada imediatamente, antes de quaisquer conversações sobre o fim do levantamento popular. Os militares afirmam também que vão fiscalizar a implementação das emendas à constituição para "a condução de eleições presidenciais justas e livres". "As forças armadas comprometem-se a apoiar as justas exigências do povo", lê-se no comunicado, e prometem assegurar o cumprimento das suas promessas "dentro de um espaço de tempo definido, com toda a precisão e seriedade, até que a transferência pacífica da autoridade esteja completa, no sentido da comunidade livre e democrática a que o povo aspira". Os militares prometeram ainda aos manifestantes - "as pessoas honestas que recusaram a corrupção e exigiram reformas" - imunidade judicial e de "perseguição pelas forças de segurança".

O comunicado pede o regresso à normalidade, mas não recorre a ameaças para a forçar. Tanto diplomatas ocidentais como responsáveis norte-americanos dizem que os altos comandos militares, incluindo o ministro da Defesa e o chefe do estado-maior das forças armadas, lhes garantiram durante semanas que o exército egípcio nunca usaria a força contra civis. Na manhã de ontem, os militares afirmaram que o ministro da Defesa, Mohamed Hussein Tantawi, presidia ao Conselho Supremo das forças armadas. O comunicado dos militares, difundido primeiro na televisão pública e depois por um porta-voz militar fardado, surgiu quando o Egipto começava as orações de sexta-feira.

No luxuoso bairro de Mohandiseen, cerca de um milhar de manifestantes saíram da Mesquita Mustafa Mahmoud para marchar até ao Edifício da Rádio-Televisão. Isto apesar de, pelo caminho, se terem ouvido gritos de outros egípcios que os observavam para que cancelassem o protesto, porque Mubarak repetira que abandonaria o poder em Setembro. Um dos manifestantes, Mohamed Salwy, 44 anos, respondeu: "Mubarak não compreende. Acho que estes protestos terão de continuar durante bastante tempo."

Chegados ao centro de emissão, os manifestantes reuniram-se a milhares de outros frente a um cordão de aço constituído por um grande número de veículos blindados de transporte de tropas e tanques. De uma varanda observavam-nos soldados armados com metralhadoras pesadas.

Fora da capital, as imagens televisivas mostravam uma imensidão de manifestantes aglomerados sob um mar de bandeiras egípcias em Alexandria e existem relatos não confirmados de que milhares de manifestantes cercam edifícios governamentais na cidade de Suez.

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